Sobre mulheres: a arte que perturba

ARTE

substantivo feminino

Se fala muito de arte: do que é, do que não é, do que pode ser mostrado ou não, do que vale riquezas ou não vale nada. Arte de rua, arte de museu, arte da conquista. Sensações, visões, toques que deslocam. Palavra moldável. Significa tanto que nenhum dicionário de fato descreve ou define satisfatoriamente. Foi em um tempo-espaço de exposições e intervenções, entre vozes e silêncios diversos, que Rafaela Landi jogou de si para o público um desses muitos entendimentos sobre essa palavra sem sinônimos.

“Arte é tudo aquilo que tira você do seu local de conforto. Isso pode ser agradável, ser belo, ser bom e também pode não ser, pode causar sensações de desconforto. A arte também incomoda. A arte, ela perturba.”

Rafaela usa esse substantivo feminino, “arte”, para falar do ser feminino que é a mulher, para falar do que sofre a mulher, do que se publica sobre a mulher, do que machuca a mulher, da banalização de sua existência e dor. No fim, tudo que Rafaela reúne em sua exposição leva a um único grito - “mulher: o que é?”

MULHER

substantivo feminino

Esse grito que dá nome ao trabalho expositivo da Rafaela, essa pergunta que inquieta, que não deixa desviar o olhar quando lida, onde quer que seja, só foi possível depois de uma reflexão do que ela mesmo entendia por mulher, por atriz, por artista; o que ela entendia por Rafaela.

“Caramba, quem sou eu como mulher? Quem sou eu como atriz? Quem sou eu como artista? Eu sou só atriz? Eu trabalho com mais alguma coisa? Eu produzo mais alguma coisa? Se sim, com o quê? E como eu posso usar isso ao meu favor? Como eu posso criar alguma coisa que me representa? O que eu quero? Como eu quero me ver nessa sociedade? Como eu me vejo atriz e mulher nessa sociedade? O que me afeta?”

A exposição surgiu quando Rafaela teve que produzir algo para duas disciplinas da faculdade, no curso de Teatro. Ela trouxe para seu trabalho diferentes formas de tocar, incomodar e provocar o público, como calcinhas penduradas em um varal improvisado, absorventes íntimos sujos de tinta vermelha e o principal: fotos e vídeos crus sobre partos e estupros, material encontrado com facilidade na internet, o que choca a própria expositora:

“As imagens que vocês estão vendo, os vídeos que vocês fizeram, tudo isso que vocês prestaram atenção durante a exibição do projeto, tudo isso está na internet. São notícias avulsas que eu peguei e juntei com outras imagens avulsas [...] isso mostra pra gente que sempre são casos similares que se tornam banalizados e que são maquiados, pra que não aparentem ser tão ruins”

DESLOCAR

verbo

Entrar na sala de exposição organizada por Rafaela é como sair de uma zona de conforto quente e macia, e cair em outra totalmente fria, impiedosa e crua. Os rápidos minutos em que os olhos ficam submersos nas imagens e nos vídeos chocam e afligem o público. Rafaela recriou em um espaço o que a sociedade machista criou no mundo. Lá, a violência psicológica, física e moral exercida contra a mulher perpassa nossa pele e incomoda nossa espinha.

“No momento que a gente escolhe tratar de assunto como violência a gente não espera que seja belo [...] Eu queria que fosse cru, que fosse real, se foi bonito ou feio ou ético ou imoral, eu deixo a cargo dos espectadores, cada um enxerga a arte da maneira que prefere enxergar.”

A provocação funciona.

Mas afinal: mulher, o que é?

Rafaela não responde apenas com pontos finais, fechando palavras...

“Agora o que é ser mulher? O que é escolher entre vestir rosa ou amarelo? Usar saia ou calça jeans? Não dá pra descrever o que é ser mulher. Você tem que viver essa pele. [...] Porque o mundo não perdoa e o mundo machista não pede licença pra gente, ele atropela.”

... suas interrogações dizem muito mais.

E incomodam, como a realidade deveria incomodar.

Juliana Teixeira.

[GALERIA]
Fotos de Gabriela Almeida