O sorriso desavergonhado que estampa muitas das publicações deste projeto tem dono, nome, sobrenome e cidade natal. Há 23 anos Fortaleza abriga mais um dos muitos Josés brasileiros: o José Vicente Silva. Nascido das entranhas do solo Sobralense, Vicente atua hoje como vendedor ambulante na Avenida 13 de Maio, ao lado da clássica Reitoria da Universidade Federal do Ceará. 

Entre o vai e vem dos muitos universitários e fortalezenses apressados, Vicente trabalha, conquista sua renda e joga conversa fora. E haja conversa! O sorriso até atropela sua gagueira sutil quando é chamado para prosear sobre quem ele é, sobre o que acredita. 

Sob a barraquinha vermelha, Vicente abriga quem quer fugir um pouco do sol que raia forte das 8 às 16 horas. Eu mesma já fiz daquela sombra modesta um abrigo de poucos minutos. Os dois banquinhos de plástico são convidativos aos que mais se demoram naquela calçada e constantemente desbancam os bancos oficiais da parada de ônibus ao lado.

Para além de contemplar as idas e vindas dos que movimentam o bairro benficano, Vicente orienta muitas delas, ajudando os novatos de Fortaleza (ou nativos que nunca tiraram um pedaço de tempo para estudar o próprio itinerário).

Qual rota vai para o Iguatemi?

E a Rodoviária João Thomé?

Como chego ao Campus do Pici?

E o Aeroporto Pinto Martins?

Me ajuda, Seu Vicente!

Se eu já cheguei rapidamente aos quatro cantos de Fortaleza, tem dedo do Vicente na sugestão de rota. Se muitos outros já alcançaram os destinos finais, tem dedo do Vicente aí também. 

Apesar das alegrias cotidianas, o mesmo Vicente que conheceu Fortaleza quando ainda se considerava apenas um menino tem sonhos e vontades de regressar ao seu interior, onde reside a família. O riso atropela a fala mais uma vez ao citar o lar que considera o próprio paraíso; lar que o acolhe quando não suporta mais os dias urbanos.

Ele não diz, mas enquanto o fotografo percebo o amor que nutre por boas pessoas e histórias. Mas esse silêncio dura pouco, porque Vicente é Vicente e ele gosta mesmo é de falar, rápido e bonito:

a verdadeira religião é quando você chega pra pessoa com amor e sem interesse.

Esbarro todos os dias com esse Vicente alegre. 

Embora nem sempre eu me demore muito naquela calçada familiar, os banquinhos sempre estão lá, assim como os números que ele joga na Loteria dos Sonhos, assim como as ajudinhas nas rotas, como a cobertura vermelhinha da barraca surrada pelo sol… como o sorriso que atropela a fala. Vicente é Vicente, mas a 13 de Maio não é 13 de Maio sem ele.

Juliana Teixeira.